Às vezes me pergunto por que o amor,que dizem ser a coisa mais forte e importante que há, faz tanta gente sofrer. Entendo que algumas pessoas amam com impaciência, amam com possessão,ama com insegurança,amam com violência,amam com preguiça,amam das formas mais desajeitadas, e nada disso é coisas fácil de lidar. Mas o amor é assim mesmo, vem acompanhado de várias outras sensações, todas elas fora do nosso controle. O amor é lindo,mas também pode ser tenso,fóbico,difícil.Billie Holliday cantava “Não me ameace com amor,baby/vamos só caminhando na chuva”.
Chego à conclusão, então de que se o amor é nobre e ,ao mesmo tempo, ameaçador, deve existir algo muito melhor que amor.Muito maior que ele. Um que vários de nós talvez já tenhamos experimentado,só que,como esse sentimento nunca foi batizado,não o reconhecemos com facilidade. É difícil classificar coisas sem nome.
Maior que o amor,melhor que o amor: um sentimento que ultrapasse todos os padrões convencionais de relacionamento. Que prescinda de fogos de artifício por ter chegado e também dispense velório por ter partido, que se instale em radares em volta, que não nos deixe apreensivos para entende-lo e nem para traduzir seus sinais. Um sentimento que não se atenha à longevidade nem a uma intensidade medida pelo número de declarações verbais. Que seja algo que supere algo como matrimônio , família , adequação social. Que seja individualizado , amplo e sem contra-indicações.
O amor – como o conhecemos – é apenas um aprendizado, um estágio antes de a gente alcançar isso que é maior e melhor: um sentimento que independe da constante do outro, que confere à leveza da vida, que nos deixa absolutamente plenos e livres.Plenos o amor nos torna; mas livres? Não . O amor termina e isso nos atormenta. Quando é maior e melhor que amor, não termina , mesmo quando a relação se desfaz.
É um sentimento que,quanto mais forte, mais calmo. Quanto maior , mais discreto. A gente não pensa , não o compara , não o idealiza. Ele simplesmente encontra asilo dentro de nós e cresce sem a aflição daquelas regrinhas impostas ao amor. “tem que cultivar,tem que reinventar,tem que...”. Tem que nada. Tem apenas que curtir. É até bom que ele não tenha nome, símbolo, cor e teorias. Melhor assim , sem estampar capas de revistas, sem que ninguém use como argumento para cometer insanidades , sem virar mote para propaganda , sem fazer sofrer nas novelas e nem na vida.
Simplesmente enorme assim, sem ameaçar. Transcendente como um convite para andar na chuva.
Texto de Martha Medeiros do jornal O Globo de 12.06.2005
PS: texto devidamente autorizado pela autora.
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